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30 abril 2011

Crônica de Nada.

Tive vontade de escrever sobre o preconceito.
Parei. Pensei. Nada.

Continuei a escrever o post sobre a viagem a Dublin.
Escrevi. Reli. Corrigi.
Voltei para esse post sobre o preconceito.
Comecei. Tentei. Nada.

Fui dormir com a sensação de que devia ter feito alguma coisa. Mas o que?
Nada.

Acordei, dei uma volta. Voltei. Nada.
Nada de nada.

Isso tudo porque deu-me infinita vontade de escrever sobre o preconceito. Não que eu tenha sofrido algum hoje, porque aqui sofro sempre. Por ser mulher, por ser independente, por ser solteira, por ser brasileira.

Preconceito pela mentalidade das pessoas. Pela falta de amor ao próximo.

Eu tenho preconceito por quem tem preconceito.

Hoje quando fui pegar o metro para ir para casa, passei por um sr. já conhecido que perambula pelo Saldanha. Ele está sempre de terno*, carrega seus sacos, fones no ouvido e um cachecol do Sporting bem aberto sobre seu peito. Ele trava conversas imaginárias. Ele puxa papo com as pessoas. Ele grita com as pessoas.

Já tive várias suposições sobre ele.
Já pensei que fosse espião.
Já pensei que fosse polícial disfarçado.
Já pensei que fosse um rico excêntrico.
Já pensei que fosse um louco.

Quando chego ao trabalho, as 20h, está ele lá na sua Praça de Saldanha.
Quando vou embora as 5h, está já ele lá a andar de um lado para o outro.

Não sei onde ele vive.
Não sei o seu nome.
Não sei onde ele dorme
Não sei se ele dorme.

Normalmente quando passo por ele, cumprimento-o. Não me custa nada. É melhor assim. Sempre disseram-me para não contrariar os loucos. Mas será que ele é louco? Melhor não contrariar...

Passei hoje e cumprimentei-o. Eu nunca dei-lhe nada além de um cumprimento. Já pensei diversas vezes dar-lhe algo para comer. Mas nunca o fiz. Hoje ele deu-me uma bala*. Senti-me impotente. Ele, que parece não ter nada, deu-me uma bala. Eu, que pareço ter alguma coisa, nunca lhe dei nada.

Cheguei em casa com a idéia de escrever sobre o preconceito. Não tenho idéias sobre o que escrever. Escrevo qualquer coisa. Mas qualquer coisa é nada, porque não sei escrever.


<o>



*terno(br) - fato(pt)
*bala(br) - rebuçado(pt)

5 comentários:

  1. Anónimo30/4/11

    Meu Deus.

    Como o ser humano é mais que aquilo que aparenta.
    Não devíamos ser tão básicos ao ponto de "descartar" o próximo, nem complicar só pelo prazer de julgar.

    Não sei. Acima são só palavras, e eu no fundo estou sem palavras. Estou com vontade de agradecer-te por partilhares isto. Obrigada. Porque bateu com o que pensei durante quase todo o dia de hoje.

    Eu estou.... estou. Eu estou.

    Inde Johns, .O7

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  2. Wanted1/5/11

    Isso mostra como um acto tão simples é capaz de nos pôr a pensar durante uma infinidade de tempo. Um pormenor na tua imensa vida, do qual te lembrarás mais tarde com um total respeito por esse Sr...

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  3. Pololo5/5/11

    Que post magnífico

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  4. Diz o Lobo Antunes, eu gosto muito dele, que ‎"Escrever é uma procura constante e provavelmente o resultado é um insucesso".

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  5. Gostei muito deste escrito teu, Débora. Obrigada por o partilhar.

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